30 de set. de 2008

POEMA DE VINÍCIUS GREGÓRIO



Menor abandonado (Made in Brazil)

Minha história, seu moço, é muito triste!
Quem lhe fala é um menino abandonado.
Eu nasci de um estupro desgraçado...
Desde ai, só tristeza em mim persiste.
Minha mãe já morreu, não mais existe,
E só ela me amou como eu a amei,
Um momento feliz, nunca passei,
Pois a rua me fez um rato humano.
Vou vivendo num mundo desumano,
E até quando, seu moço, “inda” não sei.

No momento em que minha mãe morreu,
O que já era ruim ficou pior.
Eu passei a viver do meu suor;
Das malícias que Deus do céu me deu...
Mas depois o que foi que aconteceu?
Dessa parte eu nem gosto de falar...
Ninguém mais me chamou pra trabalhar
E eu passei a ter fome a vida inteira.
“Nesse instante eu troquei a mamadeira
Por um tubo de cola pra cheirar.”

Me condenam, me vendo cheirar cola,
Dizem logo que eu sou um traficante,
Sou bandido, que eu sou um mal constante,
Que eu devia ser morto na degola.
Mas por que não me botam numa escola?
Por que não me dão chance de viver?
Cheiro sim! Mas cheiro pra não morrer,
Tu não “sabe” o que é fome, que tu “come”,
Pois quem tem o que comer não sente fome,
Sente apenas vontade de comer.

Outro dia, eu passando na calçada,
Escutei numa casa, na TV...
Um tal de um presidente prometer
Ajudar a criança abandonada.
Nem sabia quem era o camarada,
Mas meu peito tomou-se de esperança...
E apostei toda a minha confiança
No que aquele infeliz me prometeu,
Mas na certa, seu moço, ele esqueceu.
Nessa história, sempre sou eu quem dança.

Mas quem manda ser besta e acreditar
No que diz esse povo do poder?
Esse povo não sabe o que é sofrer,
Nenhum deles se Põe no meu lugar!
Só que agora o que eu vou lhe revelar
Talvez deixe você titubeando:
Fome ou frio nada são se comparando
A essa dor que me dói feito facada,
Que é ver gente mudando de calçada
Quando notam que estou me aproximando.

Sou mais um maltrapilho desgraçado
Aumentando a fileira da pobreza.
Meu viver não possui a sutileza
Do viver de um menino bem criado.
Sou apenas um rato camuflado,
Sou alguém sem futuro e sem destino,
Sou cigano da vida e peregrino
Das estradas que a fome produziu,
Sou produto fiel “Made in Brazil”,
Disfarçado no corpo de um menino.


Recife, 05/09/2006.



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